Noite das Violas


Noite das Violas - Depoimento

Zelito Magalhães (*)



Quando ingressei na Gazeta de Notícias, no começo de 1967, voltei a me encontrar, ali, com o confrade Rogaciano Leite, cujas reportagens que escrevia para a imprensa cearense eram quase com exclusividade no referido jornal. Por aqueles dias, ele vinha bastante preocupado com a doença do companheiro Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, que era diabético.

Rogaciano Leite tinha uma bagagem adquirida ao longo dos anos como repentista que se ombreara ao Cego Aderaldo, desde sua chegada a Fortaleza, vindo de sua terra, São José do Egito, Pernambuco, em fins da guerra de 45. Começou com o Congresso de Cantadores que foi levado ao Sul do País, que chegou a empolgar o governador Ademar de Barros no Palácio dos Campos Elísios. Aderaldo veio a falecer no dia 29 de junho de 1967, tendo os cantadores prestado-lhe significativa homenagem durante o seu sepultamento no São João Batista.

Com o intuito de comemorar o 30° dia de morte do Patriarca dos Cantadores Nordestinos, sugeri ao Rogaciano promovermos um encontro com os poetas repentistas numa noite de violas. Empolgado com a ideia, o jornalista pensou fazer no Theatro José de Alencar; porém, contrariando o seu pensamento, propus que fosse na Casa de Juvenal, onde tinha eu bom relacionamento que vinha de tia para sobrinha, ou seja, da Dra. Henriqueta para a Nenzinha Galeno. Expondo o assunto àquela diretora, mostrou-se ela bastante receptiva, colocando a Casa à disposição. Marcou-se para 31 de julho a data do encontro, que foi batizado com o nome de Noite das Violas. No final da conversa, acertou-se para o encontro ser mensal, quando foi fixado o dia de quarta-feira.


Anunciada o primeiro encontro, os cantadores e outros amantes da poesia popular começaram a chegar à Casa de Juvenal Galeno ainda cedo da noite. Consegui anotar a presença de doze figuras das mais expressivas do mundo dos cantadores, que foram: Benoni Conrado, Vicente Granjeiro, Pedro Cesário, Alberto Porfírio, Antonio Ferreira, João Firmino, Cesar Nildo, Moisés de Brito, Raimundo Adriano, João Driano Monteiro, Raimundo Cassiano e José de Lima. A apresentação constou de duas partes, sendo uma em homenagem especial ao Cego Aderaldo e outra em que os violeiros se defrontariam com seus desafios no melhor estilo dos repentes.



Abrindo os trabalhos disse Rogacino Leite que aquela noite era bastante significativo para todos os repentistas do Ceará, quando a Casa de Juvenal, o celeiro da cultura, cedia um espaço para estes se reunirem em lembrança dos trinta dias em que o rapsodo Aderaldo Ferreira deixava o nosso convívio. Acrescentou que a “Noite das Violas”, que se incorpora às programações culturais da Casa, não só iria perpetuar a memória do Patriarca dos nossos Cantadores, como também a de outros que já se foram, quando os menestréis do improviso iriam ter a oportunidade de todos os meses se reunirem em evocação à poesia sertaneja e aos costumes e tradições do seu povo. Mostrou-se, por fim, agradecido com a presença de todos.




SEGUNDANOITE DAS VIOLAS’ NA CASA DE JUVENAL GALENO - No flagrante, os violeiros-repentistas Severino Lourenço da Silva Pinto e Simplício Pereira (em cantoria) vendo-se atrás, dentre outros, o jornalista Zelito Magalhães (de óculos e gravata escura) e na extrema direita o conhecido Otacílio Batista – Data: 23-08-1967

(*) Zelito Magalhães é jornalista e escritor, atual presidente da Academia de Letras e Artes do Ceará (ALACE)



A segunda Noite das Violas aconteceu na quarta-feira de 23 de agosto do mesmo ano, cuja maioria dos presentes foi registrada (parcialmente) começando com os cantadores: Severino Pinto, Otacílio Batista, Geraldo Amâncio Pereira, João Firmino, Simplício Pereira, Antonio Ferreira, Rogaciano Leite, Alberto Porfírio, Vila Nova, além dos jornalistas César Coelho, Zelito Magalhães, Nonato de Freitas, poetas Vasques Filho, Carneiro Portela, Sidney Neto, Valdizar Brasil, os folcloristas Dr. Francisco Linhares e José Monteiro Sampaio (Morais)

O cantador João Firmino, que também era cego, foi o primeiro improvisador da noite. Lembrou a figura o Cego Aderaldo com estes brilhantes versos:

Foi ele a aroeira que ruiu

Ao contato do gume do machado

Foi o ferro melhor já fabricado

Que o mercado do mundo jamais viu

Foi o trem, sem destino, que partiu

E ao longo da estrada deu o prego.

Como Homero também ele era cego

A quem todo seu povo admirava

Para ser o próprio Homero só faltava

Ao invés de um cearense ser um grego.


O Doutor Antonio Ferreira, outro versátil repentista-violeiro, então bacharel em Filosofia, improvisou este mote:


São três vultos que sempre admirei

Padre Cícero, Aderaldo e Lampião



Lampião foi o rei da covardia

Por ter sido uma vítima da injustiça

Padre Cícero rezava sua missa

E Aderaldo fazia cantoria

Lampião, seu rifle conduzia

Padre Cícero levava seu bastão

Aderaldo tocava violão

E violino o qual também toquei

São três vultos que sempre admirei

Padre Cícero, Aderaldo e Lampião.


Encerrando a primeira parte, Rogaciano Leite voltou a manifestar-se, declamando duas estrofes do poema que dedicara à Casa de Juvenal Galeno e que consta do seu livro Carne e alma


Solar da Fraternidade


Aqui, confundem-se o herói e o sábio!

A Ciência brilha – se a Bravura esplende.

A pena escreve – se lampeja a espada

E chora o sábio – quando o herói se rende!

Mas, se dos gênios são iguais os louros

Um só planeta pelo ceu transluz...

E essa igualdade que unifica as forças

Planta a semente que floresce em luz!



No santo abrigo deste teto amado

Crescem os fracos no solar dos fortes

Caminham todos numa só miragem

Embora ao peso de diversas sortes...

A cada passo um Cirineu se encontra

Que ajuda o Cristo a carregar a cruz...

E essa virtude de servir a todos

Planta a semente que floresce em Luz!




Na segunda parte, duas parelhas de violeiros apresentaram-se em seus diversos estilos, indo do Martelo agalopado ao Galope à beira mar, do Mote de um pé ao Trava-lingua. Severino Pinto e Simplício Pereira apresentaram o Mourão de sete pés, pouco conhecido e por isso, bastante aplaudido pela seleta plateia.

Um comentário:

  1. Noite das Violas, criada na Casa de Juvenal Galeno, no ano de 1967, considero uma das maiores atrações culturais da época, haja vista
    aquele recinto ter sido invadido por um público amante da poesia para ver e aplaudir os mestre da poesia e do improviso - os cantadores de viola. Veral Lúcio Esteves da Silva - Assistente Social

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